“As coisas não andavam bem”. Kevin Johansen inicia uma de suas canções exatamente desta maneira. Farei o mesmo.
As coisas não andam bem. Mas não me importo. Outro dia tive minha vida salva pela Maria Gadu. Quem?! Aquela que não passa dos 25 anos e está com música na novela. Usa corte de cabelo arrepiado e faz a linha cantora revelação lésbica pós moderna. Não é a Céu. Céu é a melancólica. Se arrasta toda pra cantar. Nem a Roberta Sá. A que canta sambas, mas insiste em ser chamada de cantora de MPB. A Mallu Magalhães vocês já identificam. Adora homens barbudos e estrelas no rosto.
Eu não consigo lembrar o nome da música que faz parte da trilha sonora do folhetim, mas Gadú tem sido lembrada pelas versões inusitadas de “Ne Me Quittes Pas” e “Baba Baby”. A primeira um clássico do Jacques Brel imortalizado nestas terras tupiniquins na voz de Maysa e reinserida em nossos ouvidos graças a uma minissérie baseada no livro “Presença de Anita” de Mario Donato, de nome homônimo. A outra, um misto de saliva e inocência perdida despretensioso, que Gadú quase nos faz crer que leva a sério, vide a profundidade (trocadilho intencional) de seu canto. Se ainda não souber de quem se trata, o Google agradece a visita.
Pois eis que Gadú esteve na capital dias destes e se apresentou para uma pequena platéia de 300 pessoas. Eu entre elas. Fui para o show sem grandes esperanças. Ou sem grandes expectativas, para manter o texto lírico com uma gratuita referência a Charles Dickens (ando obcecado com a literatura inglesa). Duas horas antes eu estava trocando vocábulos de baixo escalão com outros motoristas intransigentes num engarrafamento que deixaria a Rio Branco e a Paulista orgulhosas, enquanto tentava explicar para minha desavisada mãe quem seria o ser que responde por Maria Gadú e que merecia minha atenção naquela noite. Tentativa frustrada. Segui para o show.
Os dias anteriores merecem alguma atenção, até para que eu possa justificar a primeira frase deste texto. “As coisas não andavam bem”. Já pensou se Tolstoi tivesse dado curso a Ana Karênina (Anna Karienina, na transliteração direta para o alfabeto latino) sem qualquer referência àquela primeira frase do romance (que versa sobre as famílias infelizes) que por si só é um pilar da literatura mundial?! Não faria sentido. Então, não pretendo importuná-los com todas as tragédias que se abateram e fazê-los chorar como se pudessem escutar Celine Dion ao fundo. Mas preciso que saibam que as coisas não andavam bem. Afinal, como teria sido salvo se não houvesse motivos para tal?! Nem sempre as coisas andam bem. Curso natural da vida. Joseph Campbell nos ensinou e aprendeu quem quis. Nem sempre as coisas seguirão satisfatoriamente Faz parte da jornada a descida. Sem ela, nada de subidas. E subir não faz mal à ninguém. Leiam Nietzsche.
O show transcorreu exatamente como eu imaginava. Bela voz. Belos dedos. Sapatos maiores do que eu imaginava (trocadilho intencional 2). Nenhuma presença de palco (ela acabou de começar). Timidez exarcebada (que a confere certo charme) e penteado parecido com o meu. Eu sempre imaginei que seria salvo por outra Maria. Talvez Maria Bethânia que me recitaria versos de Pessoa pelo resto da vida. Ou Maria da Conceição, que responde como Elza Soares, com suas lições de vida, fome e balacobaco aos 70 anos. Maria Rita quem sabe, já que não deu tempo da mãe vir ao meu resgate. Mas foi Maria Gadú quem me estendeu a mão. E a boca.
No final do show, fui cumprimentá-la. Elogiei-a com verdades e mentiras. Delicada, ela sorriu. Levantei-lhe o rosto que insiste em estar levemente inclinado para a direita e a beijei. Naquele momento, éramos eu e ela. E pude experimentar dos mesmos lábios que balbuciaram shimbalaiê minutos antes. Não sei porque o fiz. E ela não soube explicar porque o recebeu. Como no beijo do asfalto de Nelson, nos despedimos. E tenho certeza de que não voltaremos a nos ver.
Sei bem as razões pelas quais as coisas não andavam bem. Mas não posso e nem devo explicar de que forma Maria Gadú me salvou. Adoro não saber. Adoro as coisas não ditas. Aposto que vocês estão adorando a sensação de não saberem se o último parágrafo de fato aconteceu. Soa surreal, certamente. Improvável. Mas, seria impossível? Respondo apenas que fui salvo.
Agora começo a subir.
Texto por Diego Ponce de Leon
18 comentários:
Vindo de você, acho que o beijo rolou fácil e e ela deve estar atrás de seu facebook que nem uma louca...
Beijos,
kaká
Adoreiii!!
Que saudadesssss de seus textos!!!!
Ahh!Amei.. se sumir de novo, matoo!
Bjão Di,
Sheilia
Sempre leio e sempre venho escrever.... vou sempre agradecer o Carlos por me mostrar seu blog... foi a melhor not[icia da manha saber que tinha texto novo.,..
Bjao
Carla Vespucio
Adorei... ka disse que isso aqui era tudo e mais um pouco.. mas eh ainda melhor...
Li todossss
To de cara... tenho que refletir sobre mta coisa...
Bjos.
Paulinha
Porra meu querido!!
Não nos mantenha afastados de seu lirismo jamais!
Seus textos provam o quanto os meus são péssimos..
Abração,
Daniel (Senai)
Estive no show, fui pegar o autógrafo e vi o beijo. Nada de dúvidas para mim. E fiquei me perguntado quem eras até hoje... o google me trouxe para esta página e adorei saber que não a conhecia... azar o dela.. pelo o que estou vendo aqui, vc teria muito a oferecer... adorei a crônica... Parabéns.
Manú, do fã-clube "Shimbalaiê" da Gadú.
Enquanto lia seu post a dri repousava em meu braço esquerdo. Pensando que estava entretida com o Manoel Carlos, descubro que ela estava lendo você. Falei em voz alta, deixando meu pensamento sair da caixa : Eh Diegão... hihihihihi... // Ai Dri diz me pergunta... Que Diego, que Diego André.. // Ué dri... o Diego uai... Diego... // O Diego... que bonitinho... que bonitinho... eu num sabia que ele escrevia bem.
Bom... ganhou mais uma fã ai Diego... só vê se num rouba beijo dela viu? Abraçosssss
Dé querido,
obrigado pela visita sempre. Fico feliz que Dri tenha gostado do texto. O carinho de amigos queridos como vocês faz toda diferença. E tenho certeza que a Dri não precisa ser salva de nada, quando salva fora ao te conhecer ;)
Beijos nos dois...
Tá vc escreve mto bem.. li os outros textos, muito melhores que esse inclusive, que é bom, não me entenda mal. Melhor que a maioria das porcarias impresssas e online. Sou jornalista. Então considere um puta elogio. Mas vc pode sair falando que beijou a Maria Gadú por aí? (eu nem quem é)... a não ser que seja verdade.... enfim.. me perdi no comentário.... parabéns pela intectualidade, mas fiquei receiosa pela natureza das informações.... ahhh mas é crônica.... então pode ter caráter fictício... gente, esquece tudo...
aiai...
quero escrever meu nome não.....
Texto sensacional, Diego! Adorei as referências literárias (Dickens! Tolstói... mto obrigada por isso =]]]]) e a sua forma de conduzir o texto. Nem sei se podia, mas elogiei a sua crônica no meu twitter (@###########, dá uma olhada lá!), haha. Se não puder apago sem problemas, é só falar, mas acho que mais pessoas merecem ler o que vc escreveu!
Abraços e continue atualizando o blog! Ótimo trabalho!!!!
Thaís
"Ser capitã desse mundo
Poder rodar sem fronteiras
Viver um ano em segundos
Não achar sonhos besteira
Me encantar com um livro, que fale sobre vaidade
Quando mentir for preciso, poder falar a verdade
Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar"
Pouco provável. Surreal. Mas seria impossível?!
Um beijo (outro),
Maria Gadú ;)
Gadú?!
As chances são remotas. Quase impossíveis. Mas seja um desconhecido qualquer, adorei a brincadeira. Se for Gadú, precisamos repetir a dose! ;)
Parabéns pelo texto, querido!
Forte abraço,
Vini
Hum fiquei com ciúmes...rs
Adorooo Maria Gadú!
Adoro seus textos Diego
Abração e saudades
Amei ...se não aconteceu,devia ter acontecido...gostei da idéia...
esse show foi realmente incrível, tirando uns fãs xiitas que quase subiram no palco, né? Gosto muito de "Adoro as coisas não ditas."
;D
Por um acaso, encontrei em suas palavras, sede do novo, do desconhecido, adorei seus textos. Consegue escrever aquilo que transborda na alma, poucos no mundo, podem se chamar cidadão do mundo, felicidades em sua longa jornada.
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